sexta-feira, 31 de julho de 2015

CÁRCERE ÍNTIMO



Por quê insistes em bater nessa porta?
Não sei o que acontece contigo!
Peço ao mais sábio dos homens
que me dê um pouco de seu entendimento
para que meus neurônios fatigados
possam restabelecer sua harmonia interior.


Eu perdi a chave da porta
mas se puderes entrar sem abri-la te darei licença.

Permita-me beber um pouco do vosso veneno oh, desconhecido;
quem sabe serei capaz de resistir à sua desgraça.




Se tu que bates nessa porta
conseguires chegar até mim
sem que eu te veja entrar,
verei um milagre! Sim, um milagre!

Tu não és miserável como eu,
nem eu miserável como tu,
porém, se de tudo que comeres
quiseres me dar teu sobejo
é porque acreditas que minha fome é bem maior que a tua.

Ah, criatura infeliz,
esses abutres que querem comer a minha carniça,
deleitarce-ão mais ainda sobre tua carcaça podre.


Será que não vês que somos iguais?


Ficas aí fora congelando na neve que cai
enquanto eu me aqueço frente à lareira;
mas tu não tens paredes ao teu redor, eu sim!

Tu bates nessa porta e eu não tenho a chave,
tu queres entrar, queres entrar, queres entrar,
e eu quero sair e não posso. Agora dizes se não somos iguais?

Tens pesadelos horríveis
enquanto meu sono é tranquilo,
mas tu acordas sempre antes de mim,
teu pesadelo logo te deixa
e quando me vem a consciência 
de súbito vejo que minha realidade
não é muito melhor que a tua.

Do outro lado da porta vociferas urros insanos,
me humilhas e agrides com palavras cruéis,
fazes de tudo para me ferir,
e essas injúrias que proferes contra mim
fedem mais que o pus que sai de todas as feridas;
como ousas, se não te agrido nunca?




Decerto queres obrigar-me a abrir a porta
como se eu pudesse abri-la!

Tu não és mais que eu,
nem eu mais que tu,
somos iguais, não percebes?

Teu semblante denota certa hipocrisia que eu não aceito,
embora meu caráter seja um tanto quanto duvidoso.

Finalizo portanto meu pensamento desejando-te a morte,
pois se somos iguais meu instinto suicida
te chama pra perto de mim.



Deste-me um beijo através da parede,
tua saliva corroeu-me como ácido,
porém deliciei-me com raro prazer
embora o gosto fosse de colostro saído de um peito virgem.

Mandaste-me uma carta, mas não pude ler
porque escreveste numa língua que não conheço.

Ora, como podes me surpreender tanto
se de fato somos iguais?

Mas tão de repente vieste tamanha fúria,
com tal violência batera na porta e a pusera no chão.
Ao entrares vi grande pavor em teu rosto;
talvez o medo de finalmente estar diante de mim,
viste-me então, ali, logo ali na tua frente
num corredor escuro, 
caístes de joelhos aos meus pés
ao perceberes a escuridão em que eu vivia.





ao me dar conta que finalmente poderia sair
segurei forte tua mão que estava suada como a minha
e apertando os olhos fui chegando na porta
com certo temor que tomava conta de mim,
ao pisar fora da casa deparei-me com o primeiro 
raio de sol da minha vida.


Vês! Agora já não somos iguais!




AUTORIA: FLÁVIA REGINA.


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