domingo, 21 de junho de 2015

SUBSTÂNCIA



Aquosa, como o líquido que escorre da alma
que se sustenta num véu nebuloso;


a alma é aquosa e ninguém pode ver.
O líquido que escorre não chega ao chão
porque o véu está acima dos céus,



















evapora-se então no meio do caminho.
A transparência da alma é aquosa,
e ninguém pode ver.

Serosa, como o soro de um cérebro que trabalha, que executa, que faz;
e o soro é elétrico; soro de neurônios, soro de eletricidade;
neurônios de eletricidade de um cérebro seroso,
com hemisférios serosos de soro de eletricidade.


Espessa, grossa, como a plangência nos quatro cantos da Terra;
espessa e grossa como os canais de televisão que noticiam dor, desespero e morte;
é uma cápsula espessa que não dá pra ingerir, impossível digerir, 
o estômago não aceita;
é denso, espesso, grosso, dói como nervo contundido.


Líquida como a água das geleiras,
dos icebergs que flutuam no mar;
líquida como sereno, chuva, temporal;
como gota de sangue, de suor, como lágrimas, como perdigotos lançados no ar,
como leite sugado do peito.

Pastosa, como fosse maionese,
como o mel em favos gigantes,
como creme que pode ser marrom como açúcar mascavo;
pastosa como toda gosma do corpo, como saliva no chão,
como a viscosidade dos moluscos;
pastosa como a graxa que suja os dedos e a roupa,
ou como baba de cachorro valente.

Gasosa como a água em estado de ebulição,
como os gases que provocam explosão,
como o vapor que sobe do asfalto,
qual fumaça que sai do fósforo queimado,
dos cigarros e escapamentos de carros.
Vapor e gás tóxico das chaminés.
Gases, vapores que causam câncer,
horrores de asmáticos e tísicos.
Dor da natureza e do homem.



Gelatinosa, como a pele da medusa,
como a geléia no pão, na torrada,
como a guloseima que deixa os lábios grudentos;
gelatinosa como a gelatina que treme como se estivesse com medo ou com frio.
Gelatinosamente maleável como um colar de palavras avulsas que formam uma poesia.


Substância que mata, substância que cura,
substância nociva, substância pura,
substância estranha como o que mela e é fácil limpar,
como o que mancha e não dá pra limpar;
como o olhar suspeito de alguém,
como os póros se abrem e como eles se fecham,
como o que fica e ninguém compreende,
como o que vai e ninguém entende,
como o que arranha e deixa o sangue aparente,
como algo liguento que fica com o passar de língua na pele.

Como a cera da vela, como a cera do ouvido,
como a seiva da árvore, como a planta que causa prurido;
como vapores de nuvens que se transformam em água, 
como água suja, parada, criadouros de insetos;
como a pele que a cobra desprende;
larvas que proliferam e lava de vulcão.

Substância luminosa como o CÉSIO-137,
substância salgada como as lágrimas por todas as vítimas.
Substâncias nucleares que causam explosão espetaculares
e a morte de astronautas sonhadores.

Substância pesada como a ditadura militar,
leve, como o canto dos pássaros de manhã,
poderosa, como a prece que chega aos ouvidos de Deus,
destruidora, como um rosário de hipocrisias.

Substância que está em todos os lugares,
que tem cor, cheiro, sabor, ou não;
que é possível pegar, segurar firme nas mãos
ou deixar escorrer entre os dedos.

Água, barro, areia, pólvora,
cinzas de um corpo cremado;
secreção nojenta que ninguém quer tocar;
bactérias trocadas num beijo;
substância de elasticidade como teia de aranha.

Raios de luz, substâncias que iluminam;
chamas de dor no corpo de Joana d'Arc;
raios ultravioletas em peles albinas,
claridades de lanterna e do luar na escuridão,
substância naturais, substâncias artificiais,
substâncias palpáveis, substâncias sobrenaturais.

Substância de úteros, fetos, cordões umbilicais;
daquilo que sai da terra e volta pra ela.
Substância arenosa, calcária;
argila que se transforma em obra de arte.
Substância de tudo o que se cria 
e do que está em decomposição.

Solado de sapato perfeitamente desenhado no chão,
pegadas do homem na superfície lunar.
Substâncias radioativas, corrosivas,
minúsculas, que diminuem o tamanho de tudo;
celulares, computadores, televisores e outros tantos;
coisas que cabem na palma da mão;
chips, eletrodos, finos, grossos, porosos;

moléculas de tudo que existe na natureza
e do que ainda virá na metamorfose do tempo.




AUTORIA:  FLÁVIA REGINA.


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